quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Temores

Temeu calar, temeu falar
E não falou.
Temeu ficar, temeu partir,
E então ficou.
Temeu chorar, temeu sorrir,
E então chorou.
Temeu morrer, temeu viver,
E se matou

Temeu negar, temeu assumir,
E então negou.
Tentou sonhar, temeu acordar,
E não sonhou.
Tentou vencer, temeu perder,
E não venceu.
Tentou amar, temeu sofrer
E não amou.

Tentou lutar, temeu sangrar,
E se rendeu.
Tentou viver, temeu morrer
E não viveu.

Só quem conhece o poder dos temores
Sente na pele os seus dissabores,
Mas você deve lutar.
Levante e comece a lutar.

Bili Santos...


De repente

De repente, mais que rápido,
Rapto.
Ruptura ríspida.
Rasura, ranhura rudimentar.
Rascunho celeste, rabisco rupestre, raro, rarefeito, retrato imperfeito.
De repente, não mais que de repente sente,
Convulsionando na mente, expandindo, dilatando, abstraindo, transbordando.
Repente, verso despretencioso, inocente, rima contente querendo brincar.
Amor se sente, mente, mentalizar.
suspiro ofegante, cortejo galante, galantear.
E amar, e amar, e amar...

Bili Santos...

A fronte rubra

No céu a luz da lua irradiava encanto,
Sonhos te perturbando, te levando ao pranto
Não estava certa do que fazia,
O céu chorava, o inferno se comprazia.
Sorriso displicente sob a luz neon,
Enfeites no cabelo de papel crepom.
À meia luz as margaridas rodeavam 
A camélia rubra que desabrochava.
Ela se recolhia quieta em seu canto
Com desejos profanos, mas fingindo espanto,
Como se não soubesse do que se passava,
Enquanto a sua carne de desejo queimava.
Ela nem percebeu que eu me aproximava
Trazendo perigo ao que tanto guardava,
Mas de repente vi sua fronte rubra
Implorando que eu não a descubra.
Jamais vi meninas tão suplicantes,
Como as que vi em seu olhar dançantes
Marejando em água cristalina,
Lágrimas de uma santa messalina.
Bili Santos...


A passagem


Abro os olhos, a luz me incomoda.
Logo me habituo e posso suportar a luz, sou luz.
Acaricio meu corpo envolto em branca aura.
Sou leve e sou largo, amplo, ocupo todo o espaço ao meu redor e a ele me misturo em comunhão.
Aromas verdes invadem meus olhos e sinto o gosto aveludado soando como calafrios aos meus tímpanos em completa sinestesia.
Sou leve, sou grande, sou pequeno.
Sou e posso soar por toda a imensidão alva desse infinito de sensações.
Sou o eco de minha existência reverberando no cosmos.
Perco-me de propósito nesse labirinto para reencontrar a mim mesmo.
Em cada nova curva um diferente eu me espera.
Sou preto, sou branco, sou amarelo, sou homem, sou mulher, sou criança, sou ancião, sou santo, sou puta, sou deus, sou demônio, sou eles e sou eu.
Me agiganto, levito.
Me espanto, hesito.
Não há dor, não há frio, não há calor, não há sede ou cansaço, não há pressa, aqui o tempo sempre está atrasado, não há o outro, não há o eu.
O outro lado é apenas um harmônico mimetismo entre o universo e eu.

Bili Santos...


Me acalme

Me acalme me faça repousar
Esquecer as dores do mundo,
Pois minha visão já está turva
E sei que na primeira curva, posso derrapar.
Me acalme, amanse meu coração insolente,
Ele insiste em continuar batendo,
Ferido mas não menos valente.
Sabe que a dor das feridas passará,
Mas cicatrizes ficam pra lembrar.
Lembrar que somos frágeis,
Que a dor latente adormece.
Lembrar que nunca se esquece
Um amor que ficou para trás,
Pois o que difere a dor do amor
É que esse não morre jamais.
O amor não morre jamais.


Bili Santos...


Ama como ama o amor

Ama como ama o amor
Amante amando aos montes.
Amado, amada, amador.
Manto santo acariciando o pranto,
Acalanto do intrépido pierrô,
Melodias de um solitário trovador.
Colombina desfilando dengosa,
Como um botão aspirante à rosa
Exalando seu frescor.
Ah o amor, essa doença sadia,
Essa quase apatia que arrebata.
Letargia que mata.
Demência eloquente, insensata.
Ama como ama o amor,
Como a cama acariciando os amantes,
Sem censura, sem vergonha, sem pudor.

Ah o amor.

Bili Santos...

Fragmentos

Fragmentou-me em dois, antes e depois. Fragmentos sonoros em uníssono. Flagrou-me despido de minha armadura. Fortaleceu minha alma branda. Fracionou meu coração embrutecido. Fugiu no meio da noite enquanto dormia. Furtou meu sorriso e não mais devolveu. Frustrou o sonho plantado e regado. Tolhido, feneceu. Fraquejei e abri a porta a um estranho. Fortemente ruborizado, colho a tempestade que eu mesmo plantei. Fugaz, sagaz, tenaz, agora jaz. Fortaleço minha dor como forma de punição. Faz-me rir de tanto chorar esse estúpido coração. Funesto, nefasto, tão pequeno e tão vasto esse sentimento, farfalhando como folhas secas anunciando o rigoroso inverno. Fuga desesperada na direção do inferno. Foz onde deságuo, diluo-me misturo-me para tentar recostruir o que sobrou de mim. Faz tempo, faz bem, faz mal, tanto faz o que fez. Foi. Fragmentos confusos, conflitantes. Forjou-me como o aço no calor do fogo da paixão. Físsuras sangrando sem nenhuma razão. Fragmentando, estilhaçando, desconstruindo... Faz-me rir de tanto chorar esse tolo coração. Fitou-me nos olhos, me decifrou, fez morada em minha alma e depois me abandonou, fragilizado, fragmentado, fraco. Fortaleço-me do veneno que bebi para tornar-me fragmento de eternidade. Felicidade fugaz, eternizada em um momento. Fragmento...

Bili Santos...